Conceito
“A prática do amor é o antídoto mais poderoso contra as políticas de dominação”
bell hooks
erōtikós é um documentário que parte das diferentes mitologias de Eros e fala de amor, sexualidade e erotismo em eixos clínicos, estéticos e políticos. As narrativas são criadas a partir de conversas com pesquisadores e artistas convidados, com pesquisa e direção de Maíra Scombatti, direção de fotografia de Guta Galli, produção executiva de Daiane Calisto e co-produção da Espelho Filmes e do Canteiro - campo de produção em arte contemporânea.
Enquando estamos trabalhando no filme, as entrevistas poderão ser acessadas em podcasts disponíveis nas principais plataformas de distribuição.
Entrevistas
“O erotismo é uma das bases do conhecimento, tão indispensável quanto a poesia.”
Anaïs Nin
Abhiyana
Escritora e podcaster
Literatura erótica e "Textos Putos"
Catarina Gushiken
Artista Visual
Caligrafias sensitivas e arte erótica japonesa
Gal Oppido
Artista Visual
Caligrafias sensitivas e arte erótica japonesa
Janaína Leite
Dramaturga, diretora e pesquisadora
Dramaturgia, pornografia e erotismo
Pedro Ambra
Psicanalista, professor e pesquisador
As subversões do erótico
Viviane Mosé
Filósofa, professora, poeta e psicanalista
O erotismo na poesia e na filosofia de Georges Bataille
Alexandre Coimbra Amaral
Psicólogo e terapeuta de casal e famílias
A escuta do amor e do erotismo na clínica
Céu Cavalcanti
Psicóloga, pesquisadora e presidente do CRP - RJ
Transições, mitologias Iorubás, e o erotismo na clínica não binária
Geni Nuñez
Psicóloga e pesquisadora
Amor, sexualidade e erotismo em relações descolonizadas e a partir da cosmogonia Guarani
Lenna Bahule
Cantora, arte educadora e ativista cultura
Voz, amor, erotismo e narrativas moçambicanas
Renato Noguera
Filósofo, professor e pesquisador
Amor e erotismo nas mitologias africanas, gregas e asiáticas
Argumento
“O erotismo é a poesia do corpo assim como a poesia é o erotismo da linguagem”
Octavio Paz
O que é o erótico?
O dicionário nos conta sobre um adjetivo relativo ao erotismo, o que tende a provocar amor ou desejo sexual e o que trata do amor sexual e o descreve. Sua etimologia é grega (erōtikós) e se relaciona à figura mitológica de Eros.
Também descrito como deus do amor, ainda em narrativas gregas, Eros pode ser filho de Afrodite (Vênus) ou ser um dos deuses primordiais nascido do Caos. Pode ser uma das forças que envolve o Cosmos e é preferido pelos olímpicos quando estes não querem mais se submeter a Ananke (necessidade). Pode ainda ser companheiro de Psiquê em suas jornadas ou o cupido romano que flecha novos amantes. Nas racionalidades platônicas, pode ser filho de Poros (riqueza) e Penia (penúria). Suas origens não são únicas, mas suas forças potencializam o encontro, a fusão, o vínculo e a criação.
Ainda que as mitologias mais difundidas no ocidente sejam as greco-romanas, imagens de Eros podem ser acessadas em diferentes narrativas e cosmogonias.
Como força de adesão, se alinha com a visão do pensamento chinês no hexagrama 30 do I Ching (o livro das mutações): O luminoso (Aderir), representado pelo fogo, fala da vida como vínculo e como tudo que é vivo precisa aderir a algo.
“Há um lugar onde chegar
Um estado, uma postura
Onde tudo se completa.
Há, sim, um lugar, uma alegria
Onde não há mais letra
Apenas mãos que se dão
E não birra. Há um ponto
De fusão, onde tudo se abraça
E já não há mais frio
Na alma, apenas o calor
Do sagrado e do amor
A aderir o que separa”
Viviane Mosé
Na mitologia Iorubá, Eros não é facilmente relacionável a um único orixá, mas a potência erótica é visível em diversas imagens como nos inícios de Exu e da Pomba Gira, na beleza de Oxum e no fogo de Xangô.
Na cultura Dagara, amar é escutar e um convite ao percurso da intimidade. Em narrativas Guarani, o deus Lua, Djatchy, mobiliza o amor e nos convida ao descanso também. E muito ainda podemos ampliar as compreensões sobre Eros pesquisando diferentes cosmogonias e representações.
“Amar é querer aprender, ensinam-nos os gregos.
A esse aprendizado, soma-se outro fundamental,
desta vez proveniente de culturas afro-indígenas:
amar não é uma emoção individual, mas coletiva”
Renato Noguera
Junto à diversidade das imagens, quando falamos sobre o erotismo da fusão também lidamos com a supressão do limite, a suspensão da moral e potencialização dos corpos. O erótico também ameaça a ilusão de controle e, portanto, é constantemente reprimido em sociedades dogmáticas, patriarcais, colonizadoras e colonizadas. Não há estrutura de gestão da vida, de exercício do poder, que não passe pelo governo dos desejos.
E esse governo, quando opressor, se serve de uma série de discursos para se consolidar e colonizar os corpos desejantes. Corpos desvitalizados são mais facilmente dominados, deprimidos e diminuir o acesso ao erotismo facilita qualquer dominação. O oposto disso pode ser vivido no despertar do corpo político que pode se potencializar a partir da liberdade erótica.
“O erótico é esse cerne dentro de mim.
Quando liberado de seu invólucro intenso e constritor,
ele flui através de minha vida,
colorindo-a com o tipo de energia que amplia e sensibiliza
e fortalece toda minha experiência. (...)
A sabedoria erótica nos empodera”.
Audre Lorde
Ao mesmo tempo, junto às relações com a força e a pulsão de vida, o erotismo também transitará em nossas pulsões de morte. A propria supressão dos limites para a fusão pode flertar com as pequenas mortes (petite mort descreve a experiência orgástica em francês) e evidenciar também nossas faltas, especialmente se estiver misturado ao romantismo.
Romper limites que antes definiam ou contornavam um corpo pode acessar a angústia humana, mas pode igualmente ampliar espaços para o novo e para o além do nosso umbigo.
“Quem é o verdadeiro sujeito da maioria dos poemas de amor?
Não é a pessoa amada. É aquele buraco”
Anne Carson
Outra reflexão constante em pesquisas sobre o erotismo passa pela diferenciação entre o que é erótico e o que é pornográfico. Nunca será pacífica essa fronteira e todo tipo de complicação moral e estética entra em cena na hora de separar um conceito do outro. O que é erótico para um pode ser pornográfico para outro e pode ser interessante questionarmos o que de fato é importante diferenciar: a produção erótica ou pornográfica (seja em livros, filmes, músicas ou em qualquer arte visual) está a seviço da potencialização dos corpos ou da lógica colonialista e patriarcal?
Por fim (ou por inícios), a experiência erótica também se relaciona aos processos de investigação. Assim como a pesquisadora Anne Carson, “eu gostaria de entender por que essas duas atividades, apaixonar-se e passar a conhecer, me fazem sentir tão viva. Existe nessas atividades uma espécie de eletricidade. Elas não se parecem com mais nada, mas se parecem uma com a outra. Como?”.
erōtikós se propõe a investigar essa eletricidade que nos move e acende. Refletir sobre o erotismo como uma fonte de resistência, de transformação social e transgressão com o que nos oprime e despotencializa. Ampliar as cosmogonias de Eros para descolonizar nossos corpos e, nas palavras de Geni Núñez, reflorestar nosso imaginário e nossos desejos.
Que tenhamos espaços de pesquisas e experimentações... e que sejam também poéticas as descobertas.
Equipe
“Gosto do entusiasmo das pessoas falando de coisas que elas amam”
Autoria desconhecida
Apoio / Co-produção
Bibliografia
“O desejo se move.
Eros é um verbo”
Anne Carson
AMBRA, Pedro (org). "As subversões do erótico". Cult, 2022.
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